A bela e a fera

A bela e a fera
arte de Mateus Rios, para adaptação realizada por Susana Ventura

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Uma boa parceria - Contos mouriscos, com Helena Gomes!

Contos mouriscos é um livro construído a partir de histórias há muito contadas, todas influenciadas pela presença árabe do século VIII ao XIV na Península Ibérica, infelizmente um tanto esquecidas em seu país de origem, Portugal. E por que voltar a elas, então? Vários são os motivos. Há belas histórias, que merecem ser conhecidas no Brasil e que ainda trazem um tema comum, a guerra por questões religiosas, um assunto bastante atual e centro de inúmeras polêmicas. Elas representam também uma contribuição ao universo do conto popular ibérico e, principalmente, nos trazem uma boa novidade: a de que o Oriente e seu imaginário estavam presentes nesse trecho da Europa muito antes da febre causada pela publicação da versão de As mil e uma noites, por Antoine Galland, na França do século XVIII. As lutas entre árabes e cristãos, islamismo e cristianismo, ocupam ainda hoje — talvez especialmente hoje — as páginas de noticiários. Se os árabes (ou mouros, como ficaram conhecidos no período) estiveram na Península Ibérica em peso desde o século VIII, e esporadicamente bem antes disso, como as mentes camponesas de centenas de gerações pensaram a questão através de contos populares? Especificamente em Portugal, a partir do século XIX, escritores, folcloristas e historiadores como Almeida Garrett, Teófilo Braga, Leite de Vasconcelos, Consiglieri Pedroso e Athaíde Oliveira empenharam-se em recolher e publicar os relatos que ouviram por todo o país, colaborando para documentar este rico acervo em que as personagens centrais costumam ser mouras encantadas, mouros desesperados, guerreiros cristãos e mouros que se envolvem em lutas sangrentas, e camponeses a quem são apresentadas possibilidades de riqueza ou de perdição. No século XX, Gentil Marques e Fernanda Frazão continuaram a recolher e recontar as histórias, adaptando-as aos novos gostos de leitura do público português. Finalmente, em anos recentes, uma das mais amadas escritoras portuguesas de livros para infância e juventude, Luísa Ducla Soares, descobriu, em visitas a escolas portuguesas, que já não havia quase lembranças de contos de mouras e mouros encantados, o que a levou a coletar, coligir e recontar contos do sul do país em publicação de 2006. Também foi nos anos 2000 que ocorreu o encontro e a publicação de um manuscrito de Almeida Garrett, com um belo poema narrativo sobre uma moura encantada numa fonte. Passando para o campo da pesquisa científica, as mouras e os mouros encantados tornaram-se motivo para importantes pesquisas universitárias, como as conduzidas pelo professor e folclorista João David Pinto-Correia, e de recentes dissertações de mestrado e teses de doutorado, como aquelas de Carmen Helena Carepo Matos Vitor (Mestrado em Educação) e, especialmente, os trabalhos de mestrado de Maria Manuela Neves Casinha Nova (Mestrado em Estudos Portugueses) e o doutorado de Alexandre Parafita, hoje disponibilizado em livro. No Brasil, a figura do mouro na literatura portuguesa vem sendo estudada em profundidade pela professora Carla Carvalho Alves (Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo). Foram essas as referências de pesquisa que nos encantaram e nos levaram a sonhar um livro de contos mouriscos, que revelasse esse Oriente presente nos contos populares portugueses, em seu imaginário próprio e fascinante, repleto de cavernas com palácios e tesouros, e mouras e mouros que esperam pela redenção e desejam a volta para a África de origem. Fomos apresentadas ao cotidiano vivo da guerra entre árabes e cristãos, e com a coragem requerida a todo o tempo. Muitas decisões e dúvidas cercam esses contos adaptados por nós especialmente para os jovens leitores. Lutar ou fugir? Deixar tesouros para trás ou encantar alguém para tomar conta da riqueza até um possível retorno? Afinal, quem é herói e quem é vilão nesta história toda? Foi a estas questões que Helena Gomes e eu, autoras do livro, procuramos responder em Contos mouriscos.

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