A bela e a fera

A bela e a fera
arte de Mateus Rios, para adaptação realizada por Susana Ventura

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A kantuta tricolor e outras histórias da Bolívia

Os brasileiros se acostumaram a se pensar como um povo à parte na América Latina. Um pensamento limitador que não permite um conhecimento e reconhecimento mais profundos de nossos países em contraponto e harmonia, que possibilitariam propostas de encontros identitários. Nosso desconhecimento em relação aos países vizinhos nos rouba ainda a oportunidade de conhecermos histórias fantásticas, como as que compõem A kantuta tricolor e outras histórias da Bolívia. País tão próximo do Brasil, mas ao mesmo tempo tão distante, a Bolívia se revela neste livro em doze diferentes faces, para serem vistas e interpretadas. São fábulas brilhantes, contos de pura magia, histórias de amor, mostrando um modo de ver o mundo e a vida que desafia e faz pensar. Paisagens desconhecidas mas adivinhadas, como a das cordilheiras; o simbolismo de seus protagonistas animais, como o condor, senhor dos Ares, o coelho, a raposa; as doçuras e asperezas da vida no campo, plenas de desafios; as camadas de tempo: do passado pré-colombiano aos tempos de dominação colonial, encerrados pela desejada e sofrida independência, estão presentes neste livro. A kantuta tricolor e outras histórias da Bolívia apresenta a riqueza de um imaginário que se revela especial, de origens tão antigas e ao mesmo tempo tão próximas, em detalhes que comprovam que somos muito mais próximos do que inicialmente pensamos. Referência bibliográfica: VENTURA, Susana. A kantuta tricolor e outras histórias da Bolívia. São Paulo: Volta e Meia, 2015.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Sobre o academia.edu

Há cerca de dois anos, quando tive que entrevistar um escritor que ainda não conhecia, esbarrei no academia.edu. Esbarrei, gostei e fiquei. Encontrei muito material e informações sobre o escritor e também acabei por fazer um perfil. Lá estão muitos artigos meus, sinopses, estudos críticos e também algum material de imprensa. Vale a pena dar uma passadinha lá! E pode-se acessar a partir da própria conta Facebook. O link para a minha página é https://independent.academia.edu/SusanaVentura. Se alguém resolver ir lá, por favor, me conta depois a impressão que teve?

Uma boa parceria - Contos mouriscos, com Helena Gomes!

Contos mouriscos é um livro construído a partir de histórias há muito contadas, todas influenciadas pela presença árabe do século VIII ao XIV na Península Ibérica, infelizmente um tanto esquecidas em seu país de origem, Portugal. E por que voltar a elas, então? Vários são os motivos. Há belas histórias, que merecem ser conhecidas no Brasil e que ainda trazem um tema comum, a guerra por questões religiosas, um assunto bastante atual e centro de inúmeras polêmicas. Elas representam também uma contribuição ao universo do conto popular ibérico e, principalmente, nos trazem uma boa novidade: a de que o Oriente e seu imaginário estavam presentes nesse trecho da Europa muito antes da febre causada pela publicação da versão de As mil e uma noites, por Antoine Galland, na França do século XVIII. As lutas entre árabes e cristãos, islamismo e cristianismo, ocupam ainda hoje — talvez especialmente hoje — as páginas de noticiários. Se os árabes (ou mouros, como ficaram conhecidos no período) estiveram na Península Ibérica em peso desde o século VIII, e esporadicamente bem antes disso, como as mentes camponesas de centenas de gerações pensaram a questão através de contos populares? Especificamente em Portugal, a partir do século XIX, escritores, folcloristas e historiadores como Almeida Garrett, Teófilo Braga, Leite de Vasconcelos, Consiglieri Pedroso e Athaíde Oliveira empenharam-se em recolher e publicar os relatos que ouviram por todo o país, colaborando para documentar este rico acervo em que as personagens centrais costumam ser mouras encantadas, mouros desesperados, guerreiros cristãos e mouros que se envolvem em lutas sangrentas, e camponeses a quem são apresentadas possibilidades de riqueza ou de perdição. No século XX, Gentil Marques e Fernanda Frazão continuaram a recolher e recontar as histórias, adaptando-as aos novos gostos de leitura do público português. Finalmente, em anos recentes, uma das mais amadas escritoras portuguesas de livros para infância e juventude, Luísa Ducla Soares, descobriu, em visitas a escolas portuguesas, que já não havia quase lembranças de contos de mouras e mouros encantados, o que a levou a coletar, coligir e recontar contos do sul do país em publicação de 2006. Também foi nos anos 2000 que ocorreu o encontro e a publicação de um manuscrito de Almeida Garrett, com um belo poema narrativo sobre uma moura encantada numa fonte. Passando para o campo da pesquisa científica, as mouras e os mouros encantados tornaram-se motivo para importantes pesquisas universitárias, como as conduzidas pelo professor e folclorista João David Pinto-Correia, e de recentes dissertações de mestrado e teses de doutorado, como aquelas de Carmen Helena Carepo Matos Vitor (Mestrado em Educação) e, especialmente, os trabalhos de mestrado de Maria Manuela Neves Casinha Nova (Mestrado em Estudos Portugueses) e o doutorado de Alexandre Parafita, hoje disponibilizado em livro. No Brasil, a figura do mouro na literatura portuguesa vem sendo estudada em profundidade pela professora Carla Carvalho Alves (Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo). Foram essas as referências de pesquisa que nos encantaram e nos levaram a sonhar um livro de contos mouriscos, que revelasse esse Oriente presente nos contos populares portugueses, em seu imaginário próprio e fascinante, repleto de cavernas com palácios e tesouros, e mouras e mouros que esperam pela redenção e desejam a volta para a África de origem. Fomos apresentadas ao cotidiano vivo da guerra entre árabes e cristãos, e com a coragem requerida a todo o tempo. Muitas decisões e dúvidas cercam esses contos adaptados por nós especialmente para os jovens leitores. Lutar ou fugir? Deixar tesouros para trás ou encantar alguém para tomar conta da riqueza até um possível retorno? Afinal, quem é herói e quem é vilão nesta história toda? Foi a estas questões que Helena Gomes e eu, autoras do livro, procuramos responder em Contos mouriscos.

domingo, 25 de outubro de 2015

A Bolívia é logo aqui

O noticiário traz novas que já nem são novas: bolivianos em situação de trabalho precária são libertados por agentes do Ministério do Trabalho na região central de São Paulo. Pela internet chega a programação do Memorial da América Latina: é tempo de uma grande festa boliviana. No grande corredor de ligação entre as linhas Amarela e Verde do metrô de São Paulo, um centro universitário faz sua publicidade. Fotografias dos que seriam seus alunos, acompanhadas por uma breve narrativa sobre suas experiências e palavras institucionais de estímulo à adesão ao curso superior. São quatro os jovens que ilustram a peça publicitária: um deles é identificado como boliviano. Num estudo que me chega às mãos, sobre a presença de crianças estrangeiras na rede pública de educação básica da capital, a Bolívia encabeça a lista: cerca de quatro mil crianças de origem boliviana frequentam escolas públicas na cidade de São Paulo. Uma matéria sobre a Feira da Kantuta, espaço de reunião semanal dos bolivianos, dorme numa gaveta: recortei de um jornal há tempos e ficou como sugestão para um domingo. Até que, ao meu mundo tão feito de papel, tão pautado por livros, chega o chamado: as crianças bolivianas e as filhas de bolivianos nascidas no Brasil não têm livros que falem sobre elas, que contem histórias sobre a Bolívia, que mostrem algo sobre o imaginário do lugar de onde vieram seus antepassados. Num primeiro momento dou uma volta ao redor do chamado: estou trabalhando num projeto que TAMBÉM contempla a Bolívia, vejam só que beleza. É para crianças, terá duas ou três histórias bolivianas e em alguns meses chegará a ponto de... Depois me calo, porque a realidade me puxa pela manga, justo a manga do braço direito. E sou destra. E paro o que estava fazendo. Paro e penso. Penso e suspiro. Olho a cidade. Vou naquele domingo à Feira da Kantuta. Visito o Memorial da América Latina. Vou às bibliotecas, às livrarias. Converso um pouco aqui e ali. E deixo o que estava fazendo de lado e vou trabalhar num livro para crianças sobre a Bolívia. Dois anos depois, em agosto de 2015, ele foi escolhido para um programa de governo e chegaria àqueles que mais precisavam dele: as crianças matriculadas nas escolas públicas. A alegria durou pouco: três semanas após o anúncio da escolha, o livro foi cortado da lista de encomendas do programa por corte de verbas... Continuo sonhando enquanto agora, outubro, uma pequeníssima tiragem está sendo feita, para ter não sei qual destino. Dá vontade de parafrasear Fernando Pessoa: ‘da obra ousada, é minha a parte feita’, o ‘por fazer’ será de todos os que quiserem se envolver quando os trezentos exemplares (sim, apenas 300) chegarem da gráfica. E dos 300, a Prefeitura ficará com 138. Tão pouco... Folheio o ‘boneco’ do livro, releio algumas páginas, gosto do que leio. Hoje é isso, e a espera pelo que há de vir. Referência Bibliográfica: VENTURA, Susana. A kantuta tricolor e outras histórias da Bolívia. São Paulo: Volta e Meia, 2015.

Vou lá buscar a noite e já volto

Em maio de 2014 foi publicado pela Berlendis & Vertecchia o livro Vou lá buscar a noite e já volto, composto por recontos a partir de contos kayapó recolhidos por antropólogos em diversos idiomas. Fruto de uma encomenda da editora, este é um livro ilustrado destinado a crianças a partir dos 7 anos, por meio dele tive a oportunidade de vivenciar outra parceria feliz, com a ilustradora argentina Vanina Starkoff. O livro me aproximou também de um interesse pessoal que já me mobilizava desde 2008, quando da escolha de livros para bibliotecas: a questão indígena brasileira. Referência bibliográfica: VENTURA, Susana. Vou lá buscar a noite e já volto. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2014.

O tambor africano e outros contos dos países africanos de língua portuguesa

Esta é uma coletânea de histórias recontadas a partir da tradição popular dos países africanos de língua portuguesa: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. O continente africano foi dividido artificialmente pelos colonizadores europeus desde que lá chegaram, porém esta divisão radicalizou-se a partir da Conferência de Berlim, que durou alguns meses, entre o final de 1884 e meados de 1885. Naqueles meses, as principais potências colonizadoras, tendo à frente a Inglaterra, protagonizaram uma divisão da África com régua e compasso e decidiram a exploração imediata e radical do continente, que já vinha sendo espoliado e explorado há séculos. Couberam a Portugal, nesta divisão cruel, cinco diferentes territórios: os arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, e, na área continental, o pequeno território da Guiné-Bissau e os dois grandes territórios de Angola (voltado para o Atlântico) e Moçambique ( voltado para o Índico). Os países africanos de língua portuguesa tornaram-se independentes de Portugal em 1975 após uma luta prolongada, dolorosa, absurda e sangrenta, que ceifou as vidas e os sonhos de milhares de pessoas durante mais de uma década, condenando muitos dos sobreviventes a viverem em péssimas condições até os dias de hoje. Conhecer a história dos países africanos de língua portuguesa é uma oportunidade rica e única. Penso que esta coletânea possa ajudar na construção do conhecimento brasileiro sobre a questão ao permitir a aproximação dos leitores ao rico imaginário dos cinco países africanos. Grande parte do material em que se baseou este livro é muito antigo e foi recolhido muito antes do sonho das Independências. As histórias que aqui se recontam foram coletadas por folcloristas, professores e missionários religiosos a partir do século XIX, em línguas diversas. Na Bibliografia, colocada ao final do volume, as fontes de pesquisa são descritas com precisão. Espero, com este trabalho, possibilitar um contato dos leitores brasileiros com o rico acervo narrativo dos países africanos de língua portuguesa, e ajudar na propagação do conhecimento sobre a África, conforme o recomendado por duas excelentes leis federais: a Lei 10639/2003, que tratava da necessidade de estudo e conhecimento de questões da África e da afrodescendência, e a Lei 11645/2008, que determina o estudo das questões em torno das culturas indígena e africana, ampliando, no que diz respeito à África, o que estava determinado na lei anterior. As histórias são mais curtas do que costumam ser as de padrão europeu, o que, a princípio pode causar estranhamento nos leitores acostumados às narrativas ocidentais. Na medida do possível busquei recontar histórias bem variadas: contos etiológicos e lendas, histórias de cunho filosófico ou de sabedoria e, ainda, narrativas com reis, rainhas, príncipes e princesas, para além das esperadas fábulas. Procurei ‘naturalizar’ elementos de civilização, sem explicá-los de maneira didática mas mantendo sua integralidade: assim sendo aparecem nas histórias, em itálico, palavras como muamba, cachupa, lobolo, embondeiro, contextualizadas de maneira a serem compreendidas. Que a leitura e fruição dessas histórias nos ajude a conhecermos melhor os países africanos de língua portuguesa e possam colaborar para a ampliação de nossos horizontes.

O Príncipe das Palmas Verdes e outros contos portugueses

Este livro de contos populares portugueses apresenta seleção e reconto de dez histórias recolhidas por renomados especialistas que trabalharam a partir do final do século XIX em Portugal. Neste livro busquei contemplar a variedade do conto popular português em suas diversas vertentes. Das recolhas feitas por Teófilo Braga, Zófimo Consiglieri Pedroso, Adolfo Coelho e João David Pinto-Correia escolhi dez histórias que recontei buscando ser fiel às matrizes consultadas. Pensei em contos que fossem atraentes aos jovens brasileiros e que mostrassem, também, a riqueza de diversos aspectos da cultura portuguesa. O primeiro conto, O príncipe das Palmas Verdes parece ter um substrato pré-cristão (repare-se a consulta a Sol, Lua e Vento como parte da jornada da heroína). O segundo conto, Pente, laço e anel, tem em comum com o primeiro o imaginário do mundo subterrâneo (com elementos aqui que parecem antecipar uma obra autoral como a de Lewis Carroll), temas que aparecem com frequência em contos oriundos da cultura árabe. O terceiro conto, O cavalinho das sete cores, menciona claramente o assunto dominante do século XII na Península Ibérica: as lutas entre mouros e cristãos. A presença do mouro, da moura e da Moirama (lugar de ajuntamento de mouros) também permeará outros contos, mas é neste conto que ela tem maior relevância. Os dois contos que se seguem, A gaita maravilhosa e Antônia, mostram claramente a fé cristã católica em sua vertente portuguesa. O sexto conto, O gosto dos gostos é, por sua vez, uma história atemporal que tem como matriz do conflito o mesmo tema que move Rei Lear, de Shakespeare: o julgamento paterno sobre a dimensão do amor das três filhas. As três irmãs, sétimo conto, está marcado pelo imaginário católico, o que se evidencia pela evocação da figura de Nossa Senhora e pela atribuição do desvendamento do mistério central da narrativa a uma ave que fala (alusão ao Espírito Santo). Por sua vez, Cravo, Rosa e Jasmim possui um elemento que evidencia ligação à cultura árabe: o encantamento a partir da água, no caso como portadora das miragens de três diferentes flores. O nono conto é o belo e simbólico O cordão de ouro, também atemporal, e que registra a presença de uma fada, personagem rara nos contos portugueses. Por fim, A história de João Grilo mostra ao Brasil a origem de uma das personagens mais marcantes do folclore brasileiro e que, no entanto, é originária de Portugal. Tentei manter o sabor das narrativas populares lusitanas, mas acrescentando um tempero bem brasileiro, ao recontá-las da minha maneira, a de uma brasileira que cresceu em meio a uma família de origem portuguesa.

Eu, Fernando Pessoa em quadrinhos

Em junho 2013 tive publicado o livro Eu, Fernando Pessoa em quadrinhos, um álbum em HQ que propõe um percurso de conhecimento pela obra pessoana. Recebeu também o Selo Altamente Recomendável para o Jovem da Fundação Nacional para o Livro Infantil – FNLIJ. Fernando Pessoa foi mais do que um poeta, um criador genial que representa em si a confluência de grandes poetas, capaz, em sua obra múltipla de se constituir numa das mais importantes vozes da língua e da literatura portuguesa depois de Camões. Minha questão primordial nesta obra era me decidir pelo caminho tomar para a construção de uma obra que fosse capaz de incendiar a cabeça de um jovem leitor, instigando-o a buscar seu próprio Fernando Pessoa. Depois de algumas tentativas escolhi trabalhar a partir da carta que passou à História como “Carta da gênese dos heterônimos”. Dirigida a Adolfo Casais Monteiro, escrita meses antes de morrer, Fernando Pessoa nela se define, se explica e, provavelmente, se inventa. Na carta, o poeta troca em miúdos alguns aspectos de si e de sua obra genial. Este foi o ponto de partida do roteiro que fiz para o álbum e plataforma para que aparecessem e fossem apresentados poemas de Fernando Pessoa, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e um trecho da prosa de Bernardo Soares. Também texto de época, como os obituários que foram publicados nos jornais portugueses imediatamente após a morte de Fernando Pessoa em dezembro de 1935 foram utilizados na elaboração da minha obra. A parceria foi das mais felizes: o quadrinista Eloar Guazzelli apresentou em seu trabalho uma concepção rica e profunda da obra pessoana pelos olhos do excelente artista gráfico que é. Referência bibliográfica: VENTURA, Susana e GUAZZELLI, Eloar. Eu, Fernando Pessoa em quadrinhos. São Paulo: Peirópolis, 2013.

Dois convites, um destino: a Literatura Portuguesa

A Literatura Portuguesa é um dos meus portos seguros. A estudante apaixonada pelas cantigas de amor e de amigo e por Gil Vicente que eu fui, cresceu e se transformou em professora de Literaturas de Língua Portuguesa. Sou brasileira e portuguesa, nos meus documentos e na minha vida também, e em 2010 comecei a sonhar com livros que falassem sobre Literatura Portuguesa numa linguagem solta e interessante, coisa que não encontrava em meus manuais escolares. Foi assim que, com o acolhimento da Editora Peirópolis, publiquei meu primeiro livro de ensaios destinado a jovens leitores, "Convite à navegação, uma conversa sobre literatura portuguesa" (São Paulo: Peirópolis, 2012). Nele, converso livremente sobre os primeiros séculos da língua e da literatura portuguesa, tendo sempre como horizonte os interesses que sentia muito vivos em meus alunos. Um percurso pelas origens, terminando em Luís de Camões, com laçadas para o presente, para as obras que fazem sentido para os leitores hoje, com Fernando Pessoa e José Saramago na ‘linha de frente’. Para esta viagem foi muito importante a parceria com a ilustradora Silvia Amstalden, que leu o texto e a partir dele criou imagens que me emocionam a cada vez que abro o livro. O belo livro, editado em duas cores, deixava somente para nós, que havíamos visto as ilustrações originais, a beleza das quatro cores em que originalmente elas tinham sido concebidas. E seu poder de evocação era tão intenso, que pensamos em fazer um livro para crianças. Então partimos para um projeto que era o contrário do anterior: para De onde vem o português? eu partiria das imagens para elaborar um novo texto e eu o desejava poético, musical e belo, capaz de despertar o interesse pela língua e pela literatura portuguesas. As etapas percorridas em ambos os livros seriam as mesmas: as fronteiras de uma Península Ibérica ainda feudal que se definem; os documentos mais antigos encontrados, em latim; o início da literatura que, lindamente, aparece em cantigas escritas em galego-português; as crônicas históricas e Fernão Lopes; o surgimento do teatro na península e o português Gil Vicente e, finalmente, Camões, o poeta dos ‘erros meus, má fortuna, amor ardente’ e maior poeta épico da língua portuguesa, enfim consolidada. No entanto, o foco seria diverso. Agora temos os dois livros. Em Convite à navegação, obra para leitores autônomos, possivelmente estudantes do Ensino Médio, professores e estudantes de letras, estão dados precisos, notas de apoio, citações de obras. Em De onde vem o português?, a visada é mais humana, projetada pensando em contar às crianças sobre os homens, mulheres e crianças que viveram o processo de formação do território, as mudanças da língua, as alterações no modo de ver a vida, o trabalho e o amor naquela terra tão junto do mar. Por isso a lista de nomes, homenagem a José Saramago que, em muitos de seus romances, como Memorial do Convento e História do cerco de Lisboa, colocava nomes próprios das pessoas do tempo e do lugar onde se passava a ação, apontando para a humanidade anônima mas que constrói verdadeiramente o mundo. E a Literatura, este sonho acordado das civilizações, nas palavras mágicas do professor Antonio Candido, nasce daí, do desejo de eternizar o humano, de contar sobre a vida e de falar sobre o que nos vai por dentro. De onde vem o português? caminha na mesma direção apontada por Convite à navegação, mas, como anda acompanhando crianças, repara em outras coisas, aponta para a paisagem. Quando é possível fala de amor, cheira as flores, navega nas embarcações, observa o mar, pergunta sobre tudo o que não parece importante mas é, e acredito nisso de verdade. Para os adultos – ou pessoas crescidas, se estivermos em Portugal – que forem trabalhar com crianças em De onde vem o português? sugiro ler primeiro Convite à navegação e compará-los. Em Convite à navegação, os dois primeiros capítulos, ‘Uma conversa sobre viagens e o convite à navegação’ e ‘Antes de tudo... sobrevoando o território europeu’, têm em De onde vem o português? uma ‘tradução’ nas primeiras três páginas de texto. Os capítulos ‘Nas águas doces da poesia’ e ‘Uma viagem por terra: rumo à Provença’, correspondem à quarta, quinta e sexta página de texto de De onde vem o português?. O capítulo ‘Sonhando a navegação: plantam-se os pinheiros...’ tem sua correspondência nas sétima e oitava páginas de texto do livro para crianças. A nova, décima e décima primeira páginas de texto de De onde vem o português? têm como alicerce os capítulos ‘Um outro mar: mar de histórias’ e ‘Construindo a embarcação, fixando a história’ de Convite à navegação. Os capítulos ‘Enfim, navegando, porque é preciso’ e ‘Na barca...’ estão abordados na décima segunda e décima terceira páginas de texto de De onde vem o português?. Por fim, as últimas páginas de texto do livro infantil equivalem aos capítulos ‘Ainda uma pequena excursão terrestre: Itália do Renascimento’, ‘Por mares nunca dantes navegados: Luís de Camões, Os Lusíadas e algo mais’ e ‘Adeus, adeus: embarcando numa certa jangada’. O projeto foi pensado em vários etapas: composição de texto que foi pensado depois em imagens e projeto gráfico; numa fase posterior foram as imagens que levaram à composição do texto destinado às crianças e que receberam nova proposta em termos de projeto gráfico. Desta maneira, o conjunto dos dois livros possibilita diversas abordagens: De onde vem o português?, livro para crianças, pode receber uma primeira leitura só de suas imagens (e pode-se mesmo ficar somente com essa leitura). Em ambas as opções, a oralização de seu texto pelo leitor adulto que acompanha o jovem leitor é bem vinda e a negociação de sentidos entre o que a criança lê nas imagens e o que o adulto propõe é desejada. Os dois livros são convites para uma viagem, que é ao mesmo tempo igual e diversa, porque vivida por leitores em fases diferentes da vida e da sua experiência de mundo. Os meus melhores desejos de ótimas leituras, Susana

De onde vem o português?

Na época da preparação do livro Convite à navegação, surgiu o desejo de realizarmos uma versão para crianças sobre a criação da língua e da literatura portuguesa. Foi assim que, dois anos depois, chegamos a De onde vem o português?, que acabou sendo editado somente em 2015. Referência bibliográfica: AMSTALDEN, Silvia e VENTURA, Susana. De onde vem o português?. São Paulo: Peirópolis, 2015.

Convite à navegação

Em março 2012 dei início à publicação de minha produção de literatura voltada para crianças e jovens, área em que atuava como professora, selecionadora de acervo e pesquisadora desde o ano de 2008 e para a qual me dedico exclusivamente desde então. Meu primeiro livro foi Convite à navegação, uma conversa sobre literatura portuguesa, que é a consolidação da proposta de um livro de ensaios para jovens frequentadores do Ensino Médio. Como professora de Literaturas de Língua Portuguesa me incomodava a abordagem pouco inventiva dos primeiros séculos dessa literatura para jovens que começavam o 1o. ano do Ensino Médio. Por isso, após lecionar alguns anos resolvi ‘conversar’ livremente, a partir dos interesses que sentia muito vivos em meus alunos (José Saramago, Fernando Pessoa) através dessa obra. A parceria com a ilustradora Silvia Amstalden resultou num livro que muito me agrada. Recebeu o Selo Altamente Recomendável para o Jovem da Fundação Nacional para o Livro Infantil – FNLIJ. Referência bibliográfica: VENTURA, Susana. Convite à navegação: uma conversa sobre literatura portuguesa. São Paulo: Peirópolis, 2012.