A bela e a fera

A bela e a fera
arte de Mateus Rios, para adaptação realizada por Susana Ventura

domingo, 25 de outubro de 2015

A Bolívia é logo aqui

O noticiário traz novas que já nem são novas: bolivianos em situação de trabalho precária são libertados por agentes do Ministério do Trabalho na região central de São Paulo. Pela internet chega a programação do Memorial da América Latina: é tempo de uma grande festa boliviana. No grande corredor de ligação entre as linhas Amarela e Verde do metrô de São Paulo, um centro universitário faz sua publicidade. Fotografias dos que seriam seus alunos, acompanhadas por uma breve narrativa sobre suas experiências e palavras institucionais de estímulo à adesão ao curso superior. São quatro os jovens que ilustram a peça publicitária: um deles é identificado como boliviano. Num estudo que me chega às mãos, sobre a presença de crianças estrangeiras na rede pública de educação básica da capital, a Bolívia encabeça a lista: cerca de quatro mil crianças de origem boliviana frequentam escolas públicas na cidade de São Paulo. Uma matéria sobre a Feira da Kantuta, espaço de reunião semanal dos bolivianos, dorme numa gaveta: recortei de um jornal há tempos e ficou como sugestão para um domingo. Até que, ao meu mundo tão feito de papel, tão pautado por livros, chega o chamado: as crianças bolivianas e as filhas de bolivianos nascidas no Brasil não têm livros que falem sobre elas, que contem histórias sobre a Bolívia, que mostrem algo sobre o imaginário do lugar de onde vieram seus antepassados. Num primeiro momento dou uma volta ao redor do chamado: estou trabalhando num projeto que TAMBÉM contempla a Bolívia, vejam só que beleza. É para crianças, terá duas ou três histórias bolivianas e em alguns meses chegará a ponto de... Depois me calo, porque a realidade me puxa pela manga, justo a manga do braço direito. E sou destra. E paro o que estava fazendo. Paro e penso. Penso e suspiro. Olho a cidade. Vou naquele domingo à Feira da Kantuta. Visito o Memorial da América Latina. Vou às bibliotecas, às livrarias. Converso um pouco aqui e ali. E deixo o que estava fazendo de lado e vou trabalhar num livro para crianças sobre a Bolívia. Dois anos depois, em agosto de 2015, ele foi escolhido para um programa de governo e chegaria àqueles que mais precisavam dele: as crianças matriculadas nas escolas públicas. A alegria durou pouco: três semanas após o anúncio da escolha, o livro foi cortado da lista de encomendas do programa por corte de verbas... Continuo sonhando enquanto agora, outubro, uma pequeníssima tiragem está sendo feita, para ter não sei qual destino. Dá vontade de parafrasear Fernando Pessoa: ‘da obra ousada, é minha a parte feita’, o ‘por fazer’ será de todos os que quiserem se envolver quando os trezentos exemplares (sim, apenas 300) chegarem da gráfica. E dos 300, a Prefeitura ficará com 138. Tão pouco... Folheio o ‘boneco’ do livro, releio algumas páginas, gosto do que leio. Hoje é isso, e a espera pelo que há de vir. Referência Bibliográfica: VENTURA, Susana. A kantuta tricolor e outras histórias da Bolívia. São Paulo: Volta e Meia, 2015.

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